quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Computação a Frio

Materiais recém-descobertos podem abrir caminho para Laptos e Smartphones extremamente rápidos e de um tipo especial: que não esquentem o colo ou a orelha

Enquanto escrevo, um calor incômodo começa a me atrapalhar. Não se trata de uma febre misteriosa que vai me fazer buscar algum remédio. A origem do calor é muito óbvia: o laptop que está em meu colo é o responsável. A melhor solução, agora, não é colocar uma compressa gelada, mas procurar uma almofada para ficar embaixo do meu computador. Os microeletrônicos de hoje geram muito calor. Se isso não acontecesse, os processadores seriam mais ágeis, as baterias durariam mais, os laptops poderiam de fato ser usados no colo e os smartphones não esquentariam tanto as nossas orelhas. Mas não há muito a ser feito.

O calor é um subproduto natural do que acontece num processador, liberado quando os elétrons passeiam pelos caminhos internos do chip e colidem uns contra os outros e com tudo o que está ao redor — o que acaba desviando-os do rumo pretendido. A solução pode estar a caminho. Nos últimos cinco anos, físicos descobriram um novo tipo de material que pode manter os elétrons em caminhos predefi nidos, eliminando as colisões e reduzindo drasticamente a quantidade de calor produzida. Conhecidos como isolantes topológicos, esses materiais conduzem eletricidade ao aproveitar uma propriedade quântica dos elétrons chamada spin (giro). Ao contrário dos supercondutores — outro tipo maravilhoso de material com baixa perda de calor —, eles podem fazer a mesma coisa à temperatura ambiente.

"Isolante topológico" é um nome estranho para um condutor dos sonhos. Afinal, isolantes representam o oposto dos condutores: os elétrons estão fortemente presos aos átomos e o material resiste ao fluxo da corrente elétrica. Isso é exatamente o que acontece dentro dos isolantes topológicos. Na superfície, contudo, um cenário bem diferente surge — elétrons ágeis, sempre prontos para andar e ser empacotados numa corrente.

Os primeiros sinais desse tipo de comportamento estranho nas superfícies e fronteiras de sólidos surgiram em 1980, quando o físico alemão Klaus von Klitzing pegou um pequeno pedaço de supercondutor de silício e o resfriou até poucos graus acima do zero absoluto. Quando ele bombardeou a amostra de cima para baixo com um forte campo magnético, os elétrons que saíam pela parte superior começaram a fluir em direção a uma das bordas, desviados pelo campo magnético. Essa fuga súbita criou "buracos" carregados positivamente na borda oposta do material, que fizeram os elétrons percorrer o caminho até essa borda para preencher esses espaços.

O resultado foi um fluxo de elétrons ao redor da margem do material, como patinadores que circulam pelas bordas de uma pista de patinação. A condutividade recém-estabelecida depende do número de caminhos que os elétrons encontram para percorrer, e cresce gradualmente em saltos quânticos separados, conforme o campo magnético aumenta. A descoberta desse "efeito Hall quântico", que foi prevista alguns anos antes, garantiu a von Klitzing o prêmio Nobel de Física em 1985. Ainda que tenha sido uma descoberta importante, ela não teve aplicação prática imediata. O efeito descoberto precisava de temperaturas muito baixas e campos magnéticos muito altos para ser usado em aparelhos comuns.

Fila organizada

Em 2005, Charles Kane e Eugene Mele da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, acabaram com metade dessa restrição. Eles demonstraram que alguns materiais criam naturalmente seus próprios campos magnéticos que direcionam os elétrons em filas organizadas ao longo das margens desses materiais. Para visualizar como isso funciona, imagine pegar uma carona em um elétron que está viajando num material sólido. Ao passar pelo núcleo de um átomo, o que é visto por quem está no elétron é um grande corpo carregado que se move na direção oposta. Cargas em movimento criam campos magnéticos — portanto, o elétron que nos deu carona experimenta um campo magnético centrado no núcleo que cruzou.

Esse não é o único campo magnético em jogo: nosso elétron tem seu próprio minicampo magnético produzido como resultado do spin quântico. O spin é semelhante a uma rotação de uma partícula esférica ao redor do seu eixo, de uma maneira ou de outra, e cria um campo magnético de seu polo norte para o sul (o que pode ser chamado de spin "para baixo") ou do seu polo sul para o norte (spin "para cima").

O grau de interação entre o campo magnético gerado pelo spin do elétron e aquele criado pela movimentação do próprio elétron, ou sua "órbita", depende do material em questão. Em materiais nos quais a interação entre spin e órbita é forte, um elétron com spin "para cima" vai ser desviado numa direção ao encontrar um campo magnético oriundo de um núcleo, enquanto um núcleo spin "para baixo" vai ser direcionado na direção oposta — um efeito classificado como "efeito Hall quântico". Num pedaço do material correto, com a espessura de um átomo, conforme Kane e Mele demonstraram, isso teria consequências ímpares. Na maior parte do material não haveria condução, já que os elétrons desviados em direções opostas ao redor do núcleo adjacente iriam cancelar um ao outro. Nas margens do material, contudo, com nenhum núcleo adjacente disponível em um lado, o resultado seria um fluxo de elétrons com spin "para cima" em uma direção ao redor da margem, ao mesmo tempo que um fluxo de elétrons spin "para baixo" andaria na direção oposta.

A descrição completa de como isso acontece demanda um exame detalhado da topologia das funções probabilísticas de onda dos elétrons, então o material em questão ganhou o nome "isolante topológico". O efeito tem um importante lado positivo: já que o spin dos elétrons está travado na direção de seu movimento, eles não podem mudar de direção sem inverter o spin, algo que a mecânica quântica proíbe. Assim, a dispersão dos elétrons é suprimida, o que elimina a geração de calor. "Esses estados da superfície possuem uma propriedade muito especial que impede que o processo de dispersão ocorra," diz Kane. "É como estar numa rua de mão única sem ter retorno."

A única coisa que faltava era encontrar o material que, no mundo real, se encaixasse na descrição do isolante topológico. Kane e Mele inicialmente usaram fitas com a espessura de um único átomo de carbono, também conhecidas como grafeno, mas o carbono está sujeito a flutuações termais que sobrecarregavam a delicada união spin-órbita. Então, Shou-Cheng Zhang e Andrei Bernevig, da Universidade de Stanford, na Califórnia, mostraram que as áreas mais baixas da tabela periódica podiam ser mais promissoras. Os elementos mais pesados possuem núcleo com grandes cargas positivas, o que aumenta a probabilidade de terem forte acoplamento entre spin e órbita. A dupla previu que o efeito seria bastante forte numa liga de telureto de mercúrio.

Mais de um ano foi necessário para que Laurens Molenkamp e seus colegas na Universidade de Würzburg, na Alemanha, confirmassem, em 2007, a previsão de que os elétrons podem fluir sem perder calor num sanduíche de telureto de mercúrio e telureto de cádmio. Essa foi a primeira evidência experimental do "efeito Hall quântico" num isolante topológico com um átomo de espessura. Foi um avanço significativo, mas ainda não uma revolução. Não só temperaturas próximas ao zero absoluto eram necessárias como os ingredientes para o sanduíche eram difíceis de produzir. Isolantes topológicos pareciam destinados a permanecer como uma curiosidade de laboratório. Mas em seguida Kane e seu aluno Liang Fu fizeram outra previsão: comportamento similar poderia existir em blocos de ligas de bismuto e antimônio. Ao contrário de materiais com um átomo de espessura, nos quais os elétrons viajam ao redor da margem, nessas ligas os elétrons iriam circular em torno de um núcleo não condutor como uma fita que envolve um presente de aniversário.

Materiais baseados em bismuto são fáceis de obter. Quem é especialista em vinhos certamente tem algum: cristais de telureto de bismuto são usados como materiais de resfriamento "termoelétrico" em alguns refrigeradores de vinho. As novidades voam, e o físico Zahid Hasan e seu aluno David Hsieh, da Universidade de Princeton, começaram a analisar o comportamento topológico em ligas de bismuto preparadas por seu colega Robert Cava. Ao atingir um cristal de antimoneto de bismuto com luz ultravioleta, e medindo o spin e o momento dos elétrons expulsos, os pesquisadores mostraram que os elétrons fluíram para a superfície em "pistas" de spin e direção correspondentes.

Esquentando

Um resultado definitivo? Não necessariamente. Ainda que essa tenha sido a primeira demonstração de comportamento de isolante topológico em um cristal tridimensional, o efeito só aconteceu em temperatura de cerca de 15 kelvin (-258 ºCelsius), então havia pouca aplicação prática. O problema da temperatura foi finalmente superado no ano passado, quando Hasan e Hsieh revelaram outro composto, seleneto de bismuto, que mantém sua propriedade topológica em temperatura ambiente. Em julho deste ano, Ali Yazdani e seus colegas da Universidade de Princeton conseguiram a última peça do quebra-cabeça, confirmando o fim da dispersão dos elétrons e da dissipação de calor. "Nesses novos materiais, os elétrons não ficam presos," disse Yazdani. "Eles ultrapassam até as imperfeições do cristal."

Agora que os ágeis elétrons estão prontos para zarpar, quando poderemos tê-los em ação nos nossos laptops? O uso dessa tecnologia nos eletrônicos de consumo ainda vai demorar alguns anos, mas quando acontecer os benefícios irão além de produzir menos calor. Circuitos eletrônicos baseados na manipulação do spin, em vez de correntes de carga, representam um objetivo em si. Essa estratégia "spintrônica" promete dispositivos eletrônicos menores, mais rápidos, poderosos e produzindo menos calor, já que é preciso muito menos tempo e energia para girar um elétron entre estados de spin do que mover carga através de transistores num chip.

Falar que é possível controlar o spin é fácil, o difícil é fazer isso. Aplicar um campo magnético é uma maneira de fazer isso, mas direcionar um forte campo magnético num microprocessador não é algo simples. Uma arte que já foi dominada, por outro lado, está em aplicar um campo elétrico para manipular carga em um chip — mas até agora não foi possível usar isso para controlar o spin. Isolantes topológicos resolvem isso. Nesses materiais, aplicar um campo elétrico aos elétrons cria o movimento inicial, e — através da resultante interação spin-órbita — controla onde os elétrons do spin oposto fluem.

Para os físicos, o interesse em isolantes topológicos não está restrito à promessa da spintrônica. Além de revolucionar o comportamento de elétrons em nossos smartphones e laptops, os materiais podem servir de base para a criação de toda uma seara de frutos físicos promissores — algo que pode fazer deles a próxima grande esperança na tentativa de construir o computador que aproveita completamente o poder da mecânica quântica.

Enquanto curiosidades como essas vão manter os físicos ocupados, já há trabalho em curso para levar os isolantes topológicos do refrigerador de vinhos para o laptop. Isto demanda, no entanto, mais esforços. Primeiro, ainda que elétrons na superestrada topológica não possam fazer retornos, eles podem procurar saídas de outras maneiras, como mergulhando dentro do cristal quando encontram uma impureza, por exemplo.

Esse tipo de problema pode ser resolvido com a criação de cristais tão puros quanto possível, algo que Cava e outros estão investigando. Enquanto isso, outros materiais estão em pauta: isolantes topológicos baseados em chumbo e germânio também estão sendo explorados, e um consórcio de fabricantes de chips e empresas de tecnologia está patrocinando pesquisas para usar a tecnologia em eletrônicos de consumo. A superestrada do spin pode estar, em pouco tempo, aberta ao trânsito.

Fonte: New Scientist / Info Online

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